segunda-feira, dezembro 03, 2007

Ele, ela e o meu trabalho

Não quero mais este trabalho.

Quero parar este sufoco. O meu trabalho é amar-te e fazer-te mais feliz que ontem. Mas quanto trabalho dá fazer uma Mulher feliz? Penso que nenhum Homem sabe. A Mulher também não. Tu não fazes a mínima ideia.

Gostava de ser como o meu tio: um cabrão elegante. Como ele, há (ainda) muitos. São os chamados “Homens”. Hoje temos Homens só. Eu sou um homem ainda. Penso que nunca chegarei a ser um “Homem” como é ainda o meu tio. Tem “mulher” mas não tem esposa. É uma mulher com quem ele casou há 29 anos, de quem tem 2 filhos, que mora com o meu tio “Homem” e que também dorme, almoça, toma café, fuma, janta e dorme com ela, a mulher dele. Mas não é esposa. O meu tio diz que é um “Homem” porque tem e teve varias amantes. Diz ele naquele tom que só o “Homem” tem, ao mesmo tempo que reparamos na enorme maçã de Adão que a garganta expõe (coisa de “Homem” só): “Tenho a mulher em casa mas vou sempre fodendo. Quando chego a casa tenho alguém, quando saio também tenho”.

- Bestial tio!

falei eu mas não pensei eu.

Que cabrão. Se eu gostasse de ti ou tivesse algum respeito por ti, cuspia na tua cara. O que vale é que sempre te desprezei. E tu não tens uma mulher, tens uma Senhora. No fundo és um merdas. Um desperdício.

Pensei eu mas não falei eu.

E é assim que ele faz a mulher dele feliz. As outras também deve fazer. Basta pagar um jantar num restaurante caro com pratos de nome estrangeiro. Mas tem que ter um nome pomposo. Podia ser “Vitela à lá Parisien” dito pelo próprio tio. Uma coisa com pompa mas sem circunstância, mas que as outras, que ele também faz feliz, iam adorar e contar ás amigas. As amigas dessas são as que põem anúncios nos jornais a recrutar “Cavalheiro simpático, na casa dos 40 anos, com vida financeira estável”. Acho deselegante. Tanto soutien queimado para isto. São mais putas do que o meu tio.

Eu pergunto-me sempre: porque é que eu não consigo fazer a Mulher feliz, a minha, e ele consegue fazer todas? Não respeita mulheres. Não respeita família nem amigos. Não respeita ninguém. Nem a ele próprio. Que pedaço de gente desperdiçada. No cemitério há tanta gente que me faz falta e este cabrão ainda anda por aqui. Deus não me respeita. O meu tio também não.

E eu digo sempre que a coincidência tem a perna muito curta.

O meu tio faz as mulheres dele feliz porque é “Homem”. Eu sendo apenas homem não consigo fazer a minha feliz. Já fiz de tudo: digo que ela é linda quando acorda, quando está a dormir, quando está a ressonar, quando está de rolos na cabeça, quando está com olheiras, quando está de chinelos, pijama e ranhosa num dia de Dezembro com o lenço de papel na mão. Nem quando chega à noite cansada está feia. É bonita sempre. Já lhe ofereci quase a minha vida. Pelo menos este (grande) pedaço dela. Mas ainda não consegui. As flores, as viagens, os fins de semana, os beijos, os postais, os “amo-te” diários, os telefonemas, as mensagens, as palavras, os jantares, os almoços, os dias que cozinho, os dias que lavo, os dias que arrumo, os dias que digo “não te preocupes, és a melhor”, nada disto chegou ainda para a fazer feliz. Minto. Há dias que sei que está feliz, mas é apenas durante uns segundos. A seguir já não está. E é aí que eu não percebo. O meu trabalho é ama-la e acho que não estou a conseguir, como o meu tio consegue sempre. O meu tio não ama e consegue fazer todas felizes. Eu amo e não consigo fazer a minha feliz. Dá-me voltas ao estômago só de pensar nisto. Ainda sou homem, é certo, mas tenho tanto para doar e para dar que nisso sou um verdadeiro Homem. Quando me olho ao espelho sinto um vazio. E é isto que me dói todos os dias. O vazio provocado por não saber fazer o meu trabalho bem: Amar-te.

Se calhar vou ligar ao meu tio, que agora até estamos perto do Natal, e vou lhe dizer que quero ser “Homem”como ele é. Falarmos de “Homem” para “Homem”. E ter mulher(és) em vez de esposa. Já imagino o meu tio, com a aura de ex-combatente de Angola, com a devida tatuagem no braço a dizer-me em voz alta numa merda de um café qualquer onde se juntam os bêbedos todos do bairro: “Deixa-te de paneleirices! As gajas são todas umas putas." Sim tio, mas era melhor eu dizer aquilo que penso: “Você é um merdas”.

O meu tio perdoava isto. Deus também. Que coincidência.

Dada a conversa tida com o meu tio eu saía sem perceber,afinal, porque não consigo fazer uma mulher feliz. A minha neste caso. Que é a mais bonita, a mais inteligente, a mais bem vestida, a que tem mais classe, a que conduz melhor, a que fala melhor, a que cozinha melhor, a que escreve melhor, a que é a melhor de todas! Mas o meu trabalho está ou mal feito ou inacabado. Prefiro dizer que está inacabado. Mas também custa sempre trabalhar sem conseguir ver o objectivo. Até parece que estamos a trabalhar por desporto. E se algum desporto que ninguém pratica é o trabalho.

Ninguém. Nem Deus. Nem o meu tio. Mais uma coincidência.

Dar felicidade a uma Mulher dá muito trabalho. Dar felicidade à minha dá muito mais. Acho que já não consigo trabalhar nestas condições tão violentas. Já pensei em desistir deste meu trabalho e procurar outro ou mesmo ficar sem fazer nada durante um tempo. Para tentar recuperar alguma coisa daquilo que entreguei. O meu tio diz que nunca dá nada a ninguém. E as mulheres dão-lhe sempre o que ele quer. E é aí que eu solto um grito para dentro e penso que eu dei tudo à minha, mas a minha não me deu quase nada. Sofro.

Vou dormir sozinho com as merdas das palavras a comerem-me o cérebro. As memorias a devorarem-me e os pensamentos a triturarem-me o pouco espaço do cérebro que ainda é meu. Dou por mim a escrever isto e a ser devorado mais um bocado. Qualquer dia expludo. Se calhar o melhor é fazer greve e não trabalhar amanhã. Nem depois de amanhã. Se calhar é melhor falar com o meu tio.

E o meu tio não trabalha ao Domingo. Deus também não. Não acredito em coincidências, mas começo a pensar nelas.

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